... não pretendia ser abordada por outro.
Não gosto de fazer
compras no Pingo Doce. Mas, não há dúvida, o pão de lá é bem
melhor do que o do Continente (e os tremoços. Também prefiro os tremoços do PD). Faz hoje uma semana, na passada
quarta-feira portanto, eram umas 18h30' (já passava, às 18h29'
ainda estava a enviar um email com um desejo de boa sorte e uma
promessa de ficar a torcer pela vitória), lembrei-me que já não tinha pão. Peguei nas
minhas perninhas e lá fui, passeio fora, até ao supermercado. Na
ida, passei por uma paragem. Nessa paragem, estava um rapazito, à
espera, suponho, do seu autocarro. Olhou para mim. Também cheguei a
olhar para ele. Continuei o meu caminho. Comprei o pão e, com um
saco em cada mão, fiz o caminho inverso. Quando estava a chegar à
paragem de há bocadito, apercebi-me que o mesmo rapaz ainda lá
estava, à espera. Percebi também que estava a olhar para mim, de
forma mais insistente. Eu, menina tímida por natureza, fiquei um
pouco sem jeito e, nem sei bem porquê, com algum receio de passar
por ele. Tímida, mas corajosa, continuei a caminhar sem atravessar
para o outro lado da rua, como, admito, ainda cheguei a pensar fazer. Chegou o
momento em que me cruzei de facto com o moço. Passei à frente e
respirei melhor. Afinal, já tinha passado o desconforto. Ele já
estava para trás. O problema foi eu respirar cedo demais. Sinto, de
repente, um dedo a tocar-me no ombro direito. Viro-me e lá está
ele, o rapazito-moreno-lábios-interessantes-olhos-grandes. E saiu-lhe um
"Desculpa, mas, desde que passaste por mim a primeira vez, fiquei
aqui a pensar de onde é que te conheço". Comecei por lhe
responder com uns olhos bem abertos e, se não me engano, a boca
também deixaria entrar uma mosca, ou duas, se elas andassem por ali.
Fiquei assim uns três segundos. Depois, comecei com um piscar de
olhos intermitente, mais lento no início, de seguida mais rápido. Só queria
perceber se era imaginação minha, se estava a ver coisas. Mas eu bem
que pisquei, voltei a piscar e o moço continuava à minha frente. À
espera, já não do autocarro, mas da minha resposta. Acredito que
tenha ficado a pensar que eu sofria de alguma deficiência qualquer. Mas têm
de entender que não me acontecem estas coisas todos os dias. Não
deu para eu me preparar. Para eu treinar o melhor olhar. Para arranjar
o ar perfeito e o gesto certo. Muito menos deu para elaborar uma
resposta consistente. Sempre consegui lançar-lhe um "desculpe,
mas deve estar equivocado". Virei-me e continuei o meu caminho.
Agora, escuta, ó rapazito. Sim, neste momento, estou a falar
directamente para o moço. Quem sabe se ele não passa por aqui? Quem
sabe se, na passada quarta-feira, não foi a Mam'Zelle que o miúdo reconheceu? Digo-te - podes acreditar em mim - eu sou mais ou menos
normal. Desculpa a resposta meio bruta, abrupta, distante, pouco simpática. Mas, compreende, eu não estava à
espera. Eu não imaginava que me ias tocar no ombro, nem que me ias fazer a pergunta da praxe no que ao engate diz respeito. Se fosse agora... Ai, se fosse agora tinha acrescentado umas
palavrinhas mais ternas. Por isso, aqui vão elas: mete-te mas é com garotas da tua
idade! Pode ser? Olha que eu quase* podia ser tua mãe, ó garanhão!
* pensando melhor, arrisco-me a dizer que o “quase”
está a mais. A não ser que o rapazito pareça ter uns 18 anitos e, afinal,
já tenha uns 30. Se tivesse sido
mãe-adolescente-inconsciente-ramboieira, o meu filho poderia ter sim uns
18 anos**. E agora é imaginar uma parte da malta a fazer contas de
cabeça para tentar chegar à idade da Mam'Zelle... Ou não.
**
e é por estas e por outras que uma pessoa percebe que, efectivamente, está a ficar velha...
nota: não fiquem, com isto, a pensar que eu sou abordada todos os dias. É que ontem falei do quarentão, hoje do rapazito da paragem, podem ficar a pensar coisas erradas. O moço já foi há uma semana atrás. E passam-se semanas e semanas sem ouvir um pio. Essencialmente se sair pouco de casa e se não passar frente a trabalhadores de uma obra qualquer.