Na mente da maioria das pessoas, uma mulher magra não pode ter filhos. Fui alvo deste preconceito no mínimo estúpido, apercebendo-me da coisa só depois de engravidar.
Quando uma pessoa minha conhecida disse a outra - que também me conhece de vista e pouco mais - que eu estava grávida, a sujeito largou um a sério, engravidou? Mas ela é tão seca!, cheio de espanto. Julgo que não vale a pena comentar nem acrescentar o que quer que seja. O absurdo da conversa da senhora fala por si.
No Centro de Saúde, a enfermeira que segue a bolachita para questões de pesagem e vacinação também ficou admirada da primeira vez que me viu e, cinco meses depois, continua com a mesma admiração.
A primeira vez, foi quando a bolachita só tinha cinco dias. Olhou para mim. Abriu uns olhos do tamanho do mundo e gritou: Mas como é que saiu do corpinho desta miúda uma bebé tão perfeitinha? Agora, sempre que lá vou - no início era uma vez por semana, agora é uma vez por mês, graç'à deuze - não resiste a questionar um suposto amigo imaginário: Mas quem é que diria que esta menina, com este corpo, acaba de ser/foi mãe? Que inveja! Acredito que quando a bolachita já tiver dezoito anos e formos ao Centro de Saúde falar de contraceptivos (antes dos dezoito? nem pensar, ok?) a Sra. enfermeira vai lá andar, atrás de nós, com a mesma pergunta. Ó Sra. enfermeira poupe-me, ok?
Outra coisa é a amamentação. Faz espécie a muita gente que uma mulher magra tenha leite para alimentar a sua cria.
Começando de novo pela Sra. Enfermeira. Como já devem ter percebido, a Sra. esquece o que disse nas visitas anteriores (
é normal, passa por lá muita gente, pronto). Um dia, ao ver o aumento significativo de peso da bolachita, perguntou, uma vez mais, se só a alimentava com mama. Quando respondi que sim, ficou, outra vez, admiradíssima e lançou
Ora viram, tão magrinha e tem leite daquele mesmo bom e rematou
Como se costuma dizer, quem vê caras não vê corações. Fiquei de olhos abertíssimos de perplexidade, tal era a minha vontade de lhe explicar que misturar alhos com bugalhos é de pessoa frágil de cabeça. Eu diria antes, quem vê caras não tem de formar uma ideia estupidamente preconcebita sobre o que as pessoas com essas ditas caras têm ou não a capacidade de fazer.
Da última vez que lá fomos, a mesma coisa. Pesou a pequenita, ficou satisfeita com o aumento de peso e questionou:
já começou com as papas, certo? Não, respondi.
Ah, mas dá suplemento, continuou.
Não, repeti. Olhou, com os olhos bem abertos, para a zona do meu peito e exclamou:
só a alimenta com mamã?! Espectáculo! E finalizou a conversa, com um piscar de olhos às minhas maminhas, dizendo:
Cinco estrelas, hein! É que só visto, mesmo. Para mim, no mínimo surreal...
Na maternidade, pior. A enfermeira olhou para mim e começou:
mas onde está a barriguita? Fiz-me de despercebida e respondi:
não estou grávida, a bolachita já está cá fora há mais de quatro meses. E ela:
Pois, pois, mas mesmo assim.
Pediu-me que subisse para a balança e aí é que foi:
-
Sabe, mamã (
detesto quando uma fulana qualquer me chama "mamã". Vá chamar "mamã" à mãe dela, porra!),
se estiver a amamentar tem de se alimentar bem é que para o crescimento da criança...
- Eu sei muito bem disso. Não se preocupe que para controlar o crescimento da minha filha estou cá eu e a minha médica de família se for preciso. Nem a deixei concluir o seu raciocínio da treta. É que não há paciência para estas coisas. Mesmo. Até porque estava ali para uma consulta minha e não da pequenita.
Ainda sobre a amamentação. No fim-de-semana passado fui, pela primeira vez desde que a bolachita nasceu, à terra dos meus pais. Fomos almoçar com vários familiares. Estava no carro a dar de mamar, antes de entrar no restaurante para depois poder saborear a minha refeição em paz. Chega o meu padrinho, encosta a cara ao vidro e pergunta-me se ela está a dormir. Respondo-lhe que não, que está a mamar. Deviam ter visto a cara dele. Espanto total. E começa a conversa parva de tão surreal:
-
Ai tu dás-lhe a mama?
-
Sim.
-
Só mama?
-
Sim.
-
E tens corpo para isso?
-
Parece-lhe que a miúda está subnutrida?
Olha para as bochechas e as pernocas da pequenita,
-
Ele não!
-
Então parece-me que está respondido...
As pessoas têm de entender que ser magra não significa ser fraca, menos capaz ou incapacitada. Se sou magra? Sou sim, com muito gosto (
enfim, não querendo ser picuinhas mas simplemente mais exacta, diria antes que sou elegante. Pormenores...) . Se sou frágil? Não, não o sou. Tenho a força e a capacidade necessárias para criar a minha filha. Não se preocupem.
Agora, uma coisa é certa, nem tudo é negativo, quando se olha a aparências. Também houve pessoas que, antes de engravidar, me disseram que ia ter um parto santo. Diz que pessoas magras com cintura fina e anca larga têm o corpo perfeito para dar à luz com grande facilidade. E não é que confere?
Resumindo. Não tenho por onde me queixar. E essa gente com preconceitos que vá agourar para outra freguesia. Dava um certo jeito aqui à minha (falta de) paciência. Ai dava, dava...
nota: por falar em aparências e ideias feitas, tinha outro episódio engraçado, desta vez com a Sra. Dra. anestesista, para vos contar. Mas fica para outra altura, que este post já vai longo.