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terça-feira, 30 de março de 2021

Tentativa de uMA eSpécie de definiçãO


Era daqueles poucos seres
que não queres por perto,
mas te agitam o sono
e te invadem as noites,
sem sequer os conheceres.

Era um homem vazio
de tudo o que é certo
mas que a atormentava
e, irremissivelmente, agitava
o seu sereno jeito de ser.

Era de um mundo oposto,
não deveria ceder,
mas o quis tanto
que acabou por se perder.


[dezoito de Fevereiro de dois mil e dezoito]

quarta-feira, 10 de março de 2021

Picuinhices etimológicas à parte


Não são saudades.
É um vazio.
Daqueles que não se preenchem mais.
Nunca mais. 





nota: estava aqui a pensar que - ironia das ironias - 'nunca mais' pode ser considerado o oposto de 'para sempre'.




[três de Novembro de dois mil e dezassete]

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

[a]fogo

Cansaço. Tanto. Que se acumula nos meus ombros. Um fardo invisível mas tramado, é o que tenho vindo a sentir, nos últimos tempos. E, no contexto actual, não consigo vislumbrar uma solução que mo arranque das costas.

E é angustiante.



Por mais que me considere uma pessoa com alguma força e propensão para rir de (quase) tudo, esta lassidão está-me a descontrolar o sistema. A invadir-me o íntimo.

E é lixado. Ai se é.



[vinte e seis de Junho de dois mil e vinte]

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Esquecer-me de ti

Era hábito perguntar-me, das outras vezes que nos detivemos os dois no hall de entrada, o que eu queria.
- O que queres tu, 'Zelle?, perguntava-me, num tom firme e insistente.
Era raro responder à sua pergunta. Pelo menos em voz alta. Porque, em silêncio, só pensava numa resposta possível.
- Quero-te a ti.

Era isso que, bem lá no fundo, eu lhe queria responder. (aquela afirmação curta que, tantas vezes, me tinha dito ele a mim.) Era isso que desejava. Ele. Só ele. Sem os problemas que me trazia.
A razão, que sempre tomou conta de mim nas mais variadas situações, não me deixava verbalizar tal anseio. Acabava, inevitavelmente, por lhe pedir que saísse pela porta já entreaberta.

Desta última vez, não me fez essa pergunta.
- Tens a certeza que é o que queres? 
- Há zero vírgula zero possibilidades de voltares atrás?
Foi isso que me perguntou.
E respondi afirmativamente. Às duas perguntas. Com uma segurança quase assustadora.

Se me tivesse perguntado o que eu queria, nessa última noite, a minha resposta teria sido diferente das anteriores.
- Esquecer-te.

Era isso que eu queria naquele momento. Esquecê-lo. Para sempre. A ele e a tudo o que fez dele o homem da minha vida.
A agilidade, o carinho, o atrevimento daquelas mãos na minha pele.
A beleza daqueles olhos cor-de-saudade que sempre senti mais meus do que dele.
A facilidade em me perceber as manhas e manias e continuar a afirmar, convicto, que era perfeita assim. Tal e qual como sou.


Tudo.
Queria, e ainda quero, esquecer tudo.
Esquecer-me dele,
é o meu maior querer.


(trinta e um de Outubro de dois mil e dezasseis)

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Petit plaisir délicat*


Eu, que nunca fui uma apaixonada de loiça por lavar, dou por mim a lavá-la com agrado. 
Enquanto passo a esponja cheia de espuma pelos pratos manchados com vestígios de outros prazeres, espero por aquele momento.
Vou tentando estar alerta. Vou tentado estar atenta à sua chegada. Mas uma distraída inveterada nunca deixa de o ser. Não consigo dar por ele a chegar, esse prazer delicado que me leva a lavar loiça com alguma satisfação.
Quando menos o espero, lá está ele. De repente, sinto um abraço apertado. Sinto-te os braços, à volta da minha cintura. Sinto-te as mãos, cruzadas a aconchegarem-me a ti. Sinto-te os lábios no meu pescoço. A tua respiração lenta na minha pele. A tua respiração transformada em beijo. No melhor beijo que se possa receber.
Fecho os olhos e, por instantes, já não há loiça por lavar. Já não há paredes à nossa volta. Já não há gente. Já não há mundo. Só tu e eu. 
Um contra o outro.
Um com o outro. 
Tu e eu.


[19 de Novembro de 2015]




* singela homenagem a Philippe Delerm. Quem pegou o meu livro emprestado que mo devolva. Merci.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

O [teu] vestido azul


Nunca fui de comprar a minha roupa a pensar em alguém. Quando compro roupa é a pensar em mim. Compro porque preciso, porque acho que me fica bem, porque é confortável, porque é barato, porque é diferente, porque é engraçado, porque é a minha cara, porque me faz sentir bem e por aí fora. (puxa que quase fiquei sem fôlego.)

Ontem, pela primeira vez, comprei um vestido a pensar em ti. 
Entrei na loja, a ver se desencantava um top de alças cinzento, básico e baratinho, porque preciso. E dei de caras com um certo vestido. Estava ali - no meio de uma catrefada de trapos da moda - indecente de tão diferente das outras peças que o acompanhavam naquele expositor de cabides cheios de tecidos coloridos. 
Foi aquela renda toda que, primeiro, chamou a minha atenção. Peguei no cabide e virei o vestido para mim. Renda e transparência. Assim se pode resumir a parte de cima do modelito. Sensualidade pura até à cintura, foi isso que eu vi. E, por mais estranho que pareça, não pensei logo em mim e em como me poderia ficar aquele vestido justo e transparente. Até porque, se pensasse em mim, nunca iria pegar numa peça de roupa parecida.
Pensei em ti.
Pensei em ti a olhar para o vestido.
Pensei em ti a olhar para mim dentro daquele vestido.
E imaginei os teus olhos. Vi o brilho desse teu olho verde-azeitona a percorrer cada ângulo do meu corpo naquela segunda pele vistosa. Foi nesse preciso momento, o momento em que imaginei o teu olhar em mim, que soube que tinha de levar aquele vestido comigo.
E foi com um sorriso atrevido - não consegui controlá-lo na altura - que me dirigi à caixa, segura de que devia trazer para casa aquele que será mais um cúmplice do teu desejo.


Comprei um vestido que só faz sentido em mim através desses teus olhos.
Aquele vestido azul que é teu muito mais do que meu.

[3 de Dezembro de 2015]

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Apontá-los aqui para não deixar que, um dia, me escapem da memória #2


Há três dias. Precisamente. Ao final da tarde.
Tu, de mala feita. Pronto para te fazeres à estrada. Depois de me teres feito a cama, como quase sempre fazes, antes de te ires embora.
O beijo de despedida. Intenso. Demorado. Para perdurar aos quatro dias de distância.
Ela, a meter-se no meio. Como sempre faz. 
Desces ainda mais das tuas alturas para a abraçar.
Encostados, os dois, à porta de saída. No corredor que é a minha cara. 
Tu de cócoras. Ela em pé, à tua altura. 
A tua mão direita a abraçá-la. 
O beijinho inesperado. 
O teu rosto iluminado.
Esses teus olhos, gigantes de tanto brilho, a virarem-se automaticamente para mim.
Para eu comprovar e, assim, ficares com a certeza do sucedido. 
Para poderes saborear à vontade aquele momento de ternura.
Esse momento que ficará. 
Entre nós os três.
Mesmo depois de saíres porta fora.
Mesmo depois de estares longe,
de nós as duas.
Para sempre.


[três de Junho de dois mil e dezasseis]

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Apontá-los aqui, para não deixar que, um dia, me escapem da memória #1

Uma manhã qualquer.
Tu, na cozinha. Com ela ao colo. Sentado no banco azul do Ikea que é teu, desde quase sempre. Virado para a banca onde fica a placa de indução.
Eu, na sala. Na ombreira da porta que dá para a cozinha. Essa mesma cozinha onde ela se encontra, nos teus braços. A tua mão direita a segurar desajeitadamente no biberão que lhe dás à boca. 
Foi no meio deste cenário, quase improvável (não faço a mais pálida ideia da razão pela qual não estava eu a dar-lhe o leite, naquela manhã específica), que nasceu o beijo mais instintivo e, simultaneamente, mais contido que já presenciei. 
Um silêncio pesado no ar, depois daquela demonstração de afecto.
Um sorriso espontâneo nos meus lábios, nascido naquele silêncio revelador.
Não podias voltar atrás, mesmo querendo.
Não querias voltar atrás, mesmo teimando em acreditar que sim.
Ficaste ligado a ela na ternura daquele gesto.
Tal e qual como já estavas ligado a mim, na vivência do nosso amor.
Para sempre.




[três de Junho de dois mil e dezasseis]

quarta-feira, 16 de maio de 2018

"Viens ici."

Pedires-me. Agora. Neste instante. Baixinho. Como costumavas fazer.
Era o que eu queria.
Encostar-me-ia a ti. Ainda mais do que de costume. Porque, mesmo achando sempre impossível aproximar-me mais, tu nunca ficavas satisfeito.
Querias-me mais perto. Ainda mais. A ver se conseguias desfazer a birra, o amuo, ou simplesmente a tristeza que me habitava. E conseguias. 
Quase sempre.

Por isso estar a precisar que mo peças. Agora.
Para enxotar definitivamente esta tristeza que não me larga, que me desola, que não descola do meu ser.
A tristeza que colocaste nos meus ombros e que se foi entranhando pela pele adentro. Ensopando o meu corpo inteiro. Pior que nos dias de chuva, quando teimo em sair de casa sem chapéu. Pior porque a água da chuva seca-se num instante à beira de uma lareira ou simplesmente trocando a roupa molhada por outra enxuta. Agora, a tristeza, não se deixa levar tão facilmente. É mais invasora. É mais pegajosa. É tão perigosa que me assusta, mais do que me machuca.

Daria meio pacote das bolachas italianas que me trouxeste - daquelas que precisam de ser colocadas uns minutos no frigorífico e ficarem, assim, ainda mais saborosas - para te ouvir pronunciar, num francês que só tu dominas, aquelas duas palavras.
- Viens ici.
Comprometer-me-ia a dar o pacote inteiro se, ao chegar-me a ti num abraço mais que apertado como só tu me sabes dar, me livrasse da tristeza de vez.
Aquela que me assola,
essa mesma que não descola
e me deixa assim.


(trinta de Outubro de dois mil e dezassete)

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Até que deixe de bater por mim

- És feliz, 'Zelle?, perguntaste-me tu, enquanto a minha bochecha direita, encostada ao teu peito, sentia o viver do teu coração.

- Não sei. Nunca pensei no assunto, respondi-te.

A verdade é que não o sou, feliz.
Uma pessoa intrinsecamente realista como eu não consegue sê-lo, verdadeiramente feliz.
Consegue sentir, no entanto, a felicidade invadir-lhe o corpo e alimentar-lhe a alma em inúmeras situações.

Por exemplo, sentia-me feliz, naquele momento nosso.
O meu corpo, estendido à beira do teu no sofá da preguiça (que só activa este seu poder de me amolecer se lá estiveres comigo), sentia-se feliz quando quebraste o silêncio para me interrogar.
Senti-me ainda mais feliz ao ouvir a resposta que me deste, quando te perguntei: E tu?


Sinto-me plenamente feliz sempre que percebo que o teu coração é meu.
E os teus olhos. E as tuas mãos. E os teu lábios. E a tua língua. E o teu sexo. E a tua pele, em cada um dos seus poros.
E o teu ser. Todo ele. Por inteiro.
Incontestavelmente meu,
numa batida sem fim.



(onze de Maio de dois mil e dezasseis)

terça-feira, 6 de março de 2018

(Tal e qual) um par(to) perfeito

Há coincidências que mais parecem o destino a tentar abrir-nos os olhos.
Há coincidências que não enganam e que, inevitavelmente, nos fazem sorrir quando damos por elas. (e eu, distraída inveterada, nem sempre as alcanço à primeira.)
Há coincidências deliciosas que me fazem acreditar que não sou um caso perdido e que aquela analogia da minha avó, sobre utensílios de cozinha, é capaz de estar certa. Tão certa quanto tudo aquilo que ela dizia, a minha avó.

Passaram nove meses certinhos. Com todas as etapas que um parto perfeito deve ter.
A surpresa. O encanto.
A negação, pautada pelo medo. Um receio bobo de se vir a perder aquilo que se está a ganhar.
As descobertas. As adaptações. As dúvidas. A aprendizagem.
O conhecimento. As alegrias. Os aconchegos.
E, paulatinamente, a certeza de que o que nos está a acontecer é melhor do que aquilo que tínhamos antes, por melhor que fosse. 

O processo leva nove meses, para um parto perfeito. 
Demorou nove meses para nós também.
Tu e eu. Perfeitos, no encaixe sísmico das nossas imperfeições.


(vinte e três de Outubro de dois mil e quinze)
[

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Arrepio-me

sempre que me sussurras aquelas duas palavras. Com os lábios, é certo. Mas também com as mãos a percorrerem-me a pele. Com esses olhos inconfundíveis de tão teus. Com todo o teu corpo encostado ao meu, no melhor abraço de sempre. Aquele abraço que se regenera e se torna único cada vez que os teus braços me conduzem a ti, me aconchegam no teu peito, me mostram que não há caminho melhor do que aquele que nos junta.

és minha.


A primeira vez que as disseste, foi com uma convicção quase bruta que tanto teve de surpreendentemente assustador como de tremendamente delicioso. Repetiste-as, uma e outra vez, naquela noite. Não me apercebi muito bem, na altura, mas foi bom ouvi-las. Sei, agora, que foi melhor, ainda, senti-las. Aquelas duas palavras saídas da tua boca, vindas de dentro do teu ser (pouco me importa se foi do coração), acalentaram-me a alma. E assim continua a ser, sempre que as repetes.


[seis de Julho de dois mil e quinze]