O mail de que falei
ali atrás.
Melhor dizendo, partes do dito mail. Porque há coisas que não devem ser partilhadas com toda a gente. Mesmo eu sabendo perfeitamente que a malta que por aqui passa não é uma gente qualquer (muito menos é toda a gente).
[...]
Cheguei a pegar nele e dirigir-me à caixa. Estive lá uns dois ou
três minutos. Dei meia volta nas minhas sapatilhas novas que fazem pandã
com as tuas e voltei a colocar o casaco onde o tinha pegado minutos
antes. Não fiz figura (muito) triste porque estava uma fila valente de
pessoas a quererem levar o mundo todo da Mango nos braços. Deu a
sensação que não estava para esperar, que tinha mais o que fazer da
minha vida.
Naqueles dois ou três minutos pensei em muita coisa. Primeiro na minha mãe. Sempre ela. Que me comprou o meu primeiro e único perfecto
(até agora) quando eu ainda era uma adolescente. Lembro-me de ela ter
insistido para eu comprar outro modelo. Mais "normal". Mais bonitinho.
Mais parecido com o da minha irmã. Mas eu não quis. Queria um perfecto ou
nada. Lembro-me da cara do meu pai ao ver o preço. Lembro-me de
perceber que o valor daquele casaco era mais ou menos equivalente ao meu
peso em ouro. Lembro-me de a minha mãe o cheirar e dizer que era
pele da boa. Lembro-me do meu sorriso vitorioso e satisfeito ao sair
daquela loja do mercado de Clignancourt. Devia ter uns treze ou catorze
anos.
[...]
O perfecto que me comprou a minha mãe desapareceu há muito
tempo. Há mais de vinte anos. Pensei nele muitas vezes, nesse espaço de
tempo. Fiquei irritada, triste, rabugenta. Não só pelo casaco, pelo seu significado também. Muito mais pelo seu significado, tenho noção
disso agora. Muitas vezes, tive vontade de ter outro. Mas nunca comprei
nenhum. Sei agora que não comprei nenhum porque o perfecto é
muito mais do que um casaco de cabedal para mim. É a minha adolescência.
É a minha mãe. É uma parte da minha vida que me marcou. Sou eu. Agora.
Mas com mais vinte e cinco anos no lombo. Nunca comprei outro porque
nunca teria aquela magia. Seria quase um sacrilégio, comprar outro,
entendes?
Então por que raio, nos últimos tempos, meti na cabeça que queria
outro? Porquê? Porque tenho de quebrar a onda negativa (triste?) que,
também, envolve essa recordação do famoso perfecto. Não devemos
esquecer as coisas. Nunca. Mas devemos seguir em frente. Devemos ser felizes,
porra. Devemos aproveitar o que temos e não chorar (até que
interiormente, na maioria das vezes) por já não termos o que se foi. (e
não, não estou a falar do perfecto perdido. falo de pessoas. falo daquelas que tanto foram para mim e que já não tenho aqui comigo.)
Um novo perfecto é seguir em frente. E se não o tive até hoje é porque não tinha de ser. [...]
Já o tenho.
Vinte e cinco anos depois.
Se isto não é um sinal. Que se lixem todos os sinais por este mundo fora.
Obrigada. Obrigada por me levares a querer outro. Sem culpas. (com um aperto no peito, é certo. porém pequeno. ninguém se faz, pronto.)
Obrigada. Mesmo.
Mas olha que era suposto ser só um.
E agora?