Há coisas que não mudam nunca.
Quando, hoje de manhã, ouvi esta afirmação - conhecida de todos de tão óbvia - senti um certo arrepio na espinha. Para ser sincera, não senti nada na espinha. Mas parece-me que esta expressão é aquela que melhor ajudará a malta a tomar consciência do que senti naquele momento.
Se não tivesse acontecido o que aconteceu ontem, teria ouvido, hoje de manhã, a afirmação que inicia este post sem lhe ligar nenhuma. É como dizer que quem anda à chuva molha-se ou que aproximar em demasia a costa da mão a uma chama queima. Nada de novo. Nada de transcendente. Tudo normal, portanto.
Mas, hoje, aquela afirmação ganhou outra dimensão. Isto porque, ontem, o dia não foi tão normal como, na noite anterior, ao puxar o edredom até tapar os ombros, imaginei que seria.
Ontem, levantei-me por volta das oito, como de costume. Apesar de só ter pousado a cabeça na almofada e puxado o edredom até tapar os ombros - para efectivamente dormir, tranquila e relaxada, contrariamente a umas horas antes em que andei a dar voltas e mais voltas na cama sem conseguir pregar olho - já perto das cinco da manhã, não me custou nada levantar.
Fiz aqueles gestos rotineiros, todos aqueles que faço todos os dias. Mas esta normalidade só foi possível até dar de caras com a parede que tenho no jardim.
Depois de preparar, na cozinho, os meus habituais cereais com leite quente, costumo levá-los numa tigela laranja fluorescente até à sala. Costumo ligar a televisão e sentar-me no sofá, depois de carregar no interruptor que levanta o estore da janela da sala com vista para o jardim.
Já não comi os cereais habituais com a tranquilidade e o prazer do costume. Já nem quis saber da televisão. Depois da surpresa, depois do espanto, depois de ter aberto estes meus olhos até ao limite concedido e a minha boca também, fiquei lixada. Depois de ter dado descanso aos meus olhos, fechando-os devagarinho, depois de juntar os lábios e respirar fundo com alguma dificuldade, senti-me envergonhada. Envergonhada talvez não seja a palavra certa. Senti-me como aquela adolescente que o pai deixa, diariamente, à entrada da escola e que, um dia, dá de caras com a parede junto ao portão, habitualmente imaculada, pintada com o seu nome, seguido de uma qualquer declaração de amor feita por um colega de turma. Senti-me assim porque foi basicamente o que me aconteceu, apesar de a minha adolescência ter ficado muito lá atrás, há mais de vinte anos.
Uma vez mais, toda esta situação veio mostrar-me que as coisas não só não estão resolvidas como estão muito longe de um dia o estar.
E foi por causa disso, por confirmar que depois deste tempo todo nada mudou, que me arrepiei, esta manhã, ao ouvir aquela frase, à partida, inofensiva. Há coisas que, por mais incompreensíveis e irreais que sejam, nunca mudam. É um facto.
Mas isto tem de mudar. Esta situação tem de mudar. Tem mesmo de mudar. Vai mudar. Vai mesmo ter de mudar. Não há outro remédio.
Só espero que a mudança acabe por ser o mais tranquila e relaxada possível. Tal e qual como eu estava, anteontem à noite, quando, por volta das cinco da manhã, puxei o endredom até tapar os ombros e assim adormeci.
nota: ainda ontem, por volta do meio dia, apercebi-me que tinha os cabelos e grande parte da camisola
do pijama que estava a usar todos brancos. Cheios daquela tinta que
apagou as letras no muro do meu jardim. E, o engraçado, é que nem fui eu a dar-me ao trabalho de agarrar no pincel para esconder aqueles versos inspirados.
Há coisas que, de facto, não mudam nunca. Sou uma desajeitada. Sempre fui. E é sem dúvida essa uma das principais características que me definem. Há coisas que não
mudam nunca. E ainda bem.