Nunca pensei que este poderia vir a ser um adjectivo com o qual me identificasse. Aliás, até posso dizer que é um termo que sempre me irritou sobremaneira. Parecia-me atributo de gente, no mínimo, mimada. No máximo, outras coisas mais que não me apetece, de momento, verbalizar. No entanto, aqui estou eu, a aceitar - a custo - as evidências.
Fui-me apercebendo, aos poucos, mas num espaço de tempo relativamente curto, que sou um ser insatisfeito. Ousaria até dizer, intrinsecamente insatisfeito. Os indícios foram claros, a partir de um determinado momento da minha vida. Recente, bastante recente, esse momento.
Por que razão, uma pessoa com quatro décadas de vida [nem me falem, que estou mais parva do que vocês...], só se apercebe desta sua característica tão tarde? Eis uma pergunta pertinente, que merece toda a atenção necessária, no intuito de se chegar a uma resposta satisfatória. A uma conclusão. E eu que nunca me canso de explicar, de deduzir, de inferir; de concluir.
Quando uma pessoa tem uma vida de merda, não é insatisfeita. Tem necessidades.
Tem todas as razões e mais alguma - e a maior das legitimidades portanto - de se sentir em baixo, de querer mudar a sua condição.
Eu nunca tive uma vida de merda. Por isso mesmo, nunca tive necessidades. O certo é que sempre achei que tinha a vida possível, tendo em conta o contexto em que me movia, existia. Sempre achei que tinha o necessário. O que merecia. O que me era devido. Sempre achei que merecia pouco, na verdade. E, esse pouco, eu tinha. Para além disso, no fundo, bem lá no fundo, parece-me que sempre acreditei que, um dia, a minha vida poderia ser diferente. Melhor? Sempre acreditei que a minha vida era aquilo que era, mas que, um dia, seria outra coisa. Uma coisa que preenchesse o que faltava. Mesmo eu nem sequer ter tentado imaginar, um segundo que fosse, o que estava efectivamente em falta. Agora, olhando para trás, apercebo-me que sempre julguei que, se ainda nada tinha profundamente mudado, abalado o meu quotidiano, era por ainda não ter chegado a (minha) hora e porque tudo na vida leva o seu tempo. Com alguma demora, irremediável, pelo caminho.
Posto isto. Acredito que sempre fui uma insatisfeita em potência. Não tinha, no entanto, chegado a altura de o admitir. Só quando tomei consciência de que mereço tudo - este mundo e o outro, se, efectivamente, outro mundo existir - é que se tornou inevitável assumir a plenitude desta minha faceta, a somar a tantas outras que me habitam.
De me assumir, com todas as letras, intrinsecamente insatisfeita.