Há uns tempos atrás, a Bolachita veio do fim-de-semana como nunca antes tinha vindo.
Não queria nada comigo. Nem sequer queria olhar para mim. Quando tentei pegar nela, gritou, esperneou, rebolou no chão. Parecia ter o diabo no corpo. Parecia que nunca antes me tinha visto. Parecia que a própria mãe era uma autêntica desconhecida para ela. Pior do que isso, parecia que lhe tinha feito algum mal para ela reagir daquela forma comigo.
Aquilo passou. No dia a seguir, estava como se nada fosse.
Mas aquela cena mexeu comigo. Bastante. Muito mais do que quis, até agora, admitir a mim mesma.
A minha sorte foi não estar sozinha, naquele dia. A minha sorte foi tê-lo, naquele momento, a abraçar-me com toda a força - enquanto eu segurava umas quantas lágrimas que teimavam em tentar irromper destes meus olhos - e dizer-me o quão importante sou para ele. A minha sorte, naquela noite, foi poder adormecer agarrada a quem me ama. eu sei que te agradeci na altura. não sei é se te agradeci o suficiente.
Nos últimos dias, a Bolachita tem andado particularmente... sei lá eu como qualificar o modo como ela tem andado... lamechas? carente? ou outra coisa do género. O certo é que só pede colo. O certo é que quando não posso pegar-lhe - porque tenho de fazer o comer, ou lavar a loiça, ou pôr a máquina a lavar, ou estendê-la, etcétera e tal - ela começa a chorar, com os bracitos levantados na minha direcção. Ou, então, quando o desespero é mais que muito, agarra-se às minhas pernas e tenta trepar por mim acima. Paciência zero, esta miúda. Depois, quando lhe faço a vontade, abraça-me com tanta força que temo que me parta os ossinhos todos. E enche-me de beijos. Há dois ou três dias, depois de um abraço daqueles de tirar o fôlego, entre uns quantos hummmmm's de satisfação, olha para mim, agarra-me na cara e diz: tão fofa, mamã. Juro. Nem eu quis acreditar no que tinha acabado de ouvir.
Não sei se é uma qualquer lei da compensação que decidiu por-se a funcionar de repente.
Não sei se é simplesmente a lei natural das coisas.
Não sei se é a minha filha que sofre de uma bipolaridade afectiva qualquer, mas só mesmo comigo.
O certo é que dou um braço para ela não voltar a dizer-me aquilo.
Uma pessoa tem uma certa reputação. Uma pessoa não quer perder essa reputação sólida - que demorou anos a construir, atenção - por causa dos devaneios de uma pirralhita. É que, verdade seja dita, uma pessoa não pode vacilar. Não pode nem deve.
E é isto.
nota: não deveria ser necessário acrescentar isto, mas a verdade é que a ironia é a melhor arma que tenho em meu poder. neste momento, diria até que é a única que valha a pena usar. não se ralem comigo.
* ... tem cadilhos, diz a sabedoria popular materializada num gajo que gosta muito de me atazanar o juízo.